
Do Amanhecer ao Anoitecer: Rotina Diária inspirada na Medicina Tradicional Chinesa
Há um momento silencioso, ainda antes do sol nascer, em que o mundo parece suspenso. Na visão da Medicina Tradicional Chinesa, este instante, entre as cinco e as sete da manhã, é quando o nosso corpo desperta suavemente, e o Intestino Grosso se prepara para libertar o que já não serve. É por isso que um simples copo de água morna logo ao acordar pode fazer tanto: limpa, aquece e desperta. E, se nesse momento acrescentarmos alguns movimentos lentos, respirações profundas, alongamentos que fazem o corpo espreguiçar-se como um gato ao sol, não estaremos apenas a acordar — estaremos a acordar bem.
Quando o relógio se aproxima das sete e o dia começa a ganhar luz, a energia dirige-se para o Estômago. É o momento de lhe dar combustível, mas não de qualquer forma: alimentos quentes, cozinhados, que aconcheguem o Yang matinal. Uma papa de arroz ou de aveia, um ovo mexido com legumes suaves, um chá aromático… tudo o que nutra sem pesar. É este pequeno-almoço que alimenta não só o corpo, mas também o Baço e o Pâncreas, que, entre as nove e as onze, transformam o alimento em energia disponível para a mente. Por isso, se há tarefas que exigem foco e concentração, este é o momento certo para as abraçar.
À medida que o sol sobe no céu e o meio-dia se aproxima, o Coração assume o comando. Entre as onze e as treze horas, comer deve ser mais do que ingerir nutrientes: deve ser um momento de pausa, de presença, de escuta. Uma refeição equilibrada, com cereais integrais, legumes e alguma proteína leve, prepara o corpo para que, no início da tarde, o Intestino Delgado faça o seu trabalho de separar e absorver. É também nesta altura que a mente está pronta para decisões rápidas, análises e resolução de problemas.
E depois vem aquele momento, entre as três e as cinco da tarde, em que a Bexiga ajuda a eliminar o que sobra. É hora de beber água, de levantar-se da cadeira, de dar um passeio curto ou de fazer exercício físico mais vigoroso, aproveitando a força natural desse período. À medida que a tarde cai, por volta das cinco, a energia recolhe-se para os Rins, guardiões da nossa vitalidade mais profunda. Uma refeição mais leve, uma sopa quente ou um prato simples de legumes e peixe, é tudo o que o corpo precisa para encerrar o dia sem sobrecarregar.
Quando a noite avança e o relógio marca as sete, o Pericárdio convida ao convívio, à intimidade e à calma. É o momento de falar, ouvir, partilhar, ou simplesmente ler ao som de uma música tranquila. Mas, a partir das nove, o Triplo Aquecedor lembra-nos que é tempo de desacelerar. Luz suave, ecrãs desligados, rituais de serenidade — tudo para que, ao chegar às onze, a Vesícula Biliar possa trabalhar durante o sono profundo, ajudando-nos a tomar as decisões que só o descanso permite. Entre a uma e as três da manhã, o Fígado limpa, regenera, armazena. E é por isso que dormir cedo não é apenas um conselho: é um ato de respeito pelo corpo.
Seguir este fluxo diário não é uma questão de disciplina rígida, mas de escuta. É alinhar-se com o que já existe dentro de nós e à nossa volta, respeitando a dança silenciosa que a natureza nos oferece a cada dia. Como nos recorda o Huangdi Neijing:
"O homem segue a Terra, a Terra segue o Céu, o Céu segue o Dao, e o Dao segue o que é natural."
E quando vivemos em sintonia com o nosso próprio relógio interno, não estamos apenas a cuidar da saúde — estamos a cultivar equilíbrio, clareza e vitalidade para tudo o que a vida nos traz.
Referências Bibliográficas
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Huang Di. (1997). O Clássico Interno do Imperador Amarelo: Neijing Suwen (M. Ni, Trad.). Shambhala. (Obra original publicada ca. século II a.C.)
Maciocia, G. (2017). Os fundamentos da medicina chinesa (3ª ed.). Roca.
Maciocia, G. (2015). A prática da medicina chinesa: O tratamento das doenças com acupuntura e ervas chinesas (2ª ed.). Roca.
Ursinus, L. (2014). The body clock in Traditional Chinese Medicine: Understanding our energy cycles for health and healing. Healing Arts Press.
Wiseman, N., & Ellis, A. (1995). Fundamentos da medicina chinesa. Paradigm Publications.
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