A Criança em Medicina Tradicional Chinesa

01-06-2025

Olhar para uma criança é como contemplar o desabrochar de uma flor delicada, cheia de potencial, mas ainda tão sensível às alterações à sua volta, pois como se diz na medicina chinesa, tudo o que está fora é igual ao que está dentro. As crianças, diz-se, não são pequenos adultos: elas são seres em crescimento, com uma fisiologia própria, que precisa ser respeitada, acolhida e nutrida com carinho e atenção.

O corpo da criança é frágil, o seu Qi – a energia vital – está ainda a desenvolver-se e pode ser facilmente desorganizado por fatores externos. O sangue é escasso, os órgãos ainda estão em formação, e o Baço e o Estômago, encarregados de transformar os alimentos em energia, são especialmente imaturos. Por isso, as crianças são particularmente sensíveis a excessos de comida, em particular carne vermelha, fritos, queijos, doces, alimentos processados, laticínios em excesso, massas e açúcar, considerados alimentos que podem ser mais difíceis de digerir. As crianças são também sensíveis a mudanças de clima, a emoções fortes e até mesmo a um ambiente familiar desequilibrado. Pequenas coisas – um gelado a mais, uma noite mal dormida, um dia de actividades em excesso – podem facilmente desestabilizar este sistema ainda tão em construção.

Mas há beleza nessa vulnerabilidade. É justamente porque as crianças estão "em branco" que também têm uma capacidade imensa de recuperação. O Qi delas responde rapidamente aos cuidados certos, como um campo fértil que floresce quando recebe a chuva suave e o sol moderado. É por isso que, muitas vezes, uma pequena mudança no ambiente familiar, na alimentação ou na rotina pode trazer benefícios surpreendentes. E aqui, a medicina chinesa tem muito a oferecer – não apenas como tratamento, mas como uma filosofia de vida.

Entender as doenças mais comuns da infância sob o olhar da medicina tradicional chinesa é como ler os sinais que a natureza nos dá. Quando uma criança tem muita tosse, asma, alergias ou constipações recorrentes, a medicina chinesa vê aí o reflexo da fragilidade do Pulmão – o guardião do Qi defensivo, que ainda está a aprender a proteger o corpo. Quando surgem cólicas, diarreia, vómitos ou eczema, frequentemente o Baço e o Estômago estão a pedir ajuda, sobrecarregados com alimentos que ainda não conseguem processar. E quando vemos uma criança inquieta, com dificuldade em dormir ou com medos intensos, muitas vezes o Coração e o Fígado estão envolvidos, expressando o impacto das emoções num organismo que ainda não aprendeu a equilibrá-las.

Agora, com o verão a chegar e a aquecer os dias, é essencial entender como apoiar as crianças nesta estação tão cheia de energia. O verão, associado ao elemento Fogo, convida à alegria, ao movimento, ao calor – mas também pode esgotar facilmente a energia das crianças. Para ajudá-las a atravessar este momento com saúde, podemos olhar para recomendações simples, mas muito importantes: permitir que brinquem ao ar livre, mas evitar o sol direto nas horas mais fortes; oferecer alimentos sazonais frescos e leves (melancia, pêssego, cereja) e alimentos que hidratam (pepino, cenoura e chá de hortelã), mas sem exagerar nos gelados ou bebidas geladas, que podem enfraquecer o Baço. Estabelecer momentos de calma, com brincadeiras tranquilas, histórias ou tempo para simplesmente descansar, é tão importante quanto permitir a liberdade de explorar. O sono deve ser respeitado como o bálsamo reparador do Yin: noites serenas, com menos ecrãs e mais abraços, são o antídoto perfeito para um dia de verão agitado.

As emoções das crianças, nesta estação de expansão, também merecem cuidado. É tempo de cultivar a alegria, mas sem excesso: celebrar os pequenos momentos, ouvir as suas histórias, validar os seus sentimentos e ajudar a transformar frustrações em aprendizagem. O movimento físico, tão essencial para as crianças, pode ser canalizado em actividades como nadar, passear na natureza, correr descalço na relva, ou simplesmente brincadeiras que estimulem a sua imaginação, permitindo que o Qi flua sem bloqueios.

Cuidar de uma criança com o olhar da medicina chinesa é, acima de tudo, um convite para sermos mais atentos, mais presentes e mais humanos. É entender que o ambiente, a alimentação, o ritmo e as emoções moldam não só o corpo, mas também o espírito da criança. Como disse o mestre Sun Simiao há mais de mil anos, com a sua sabedoria intemporal:

"No cuidado das crianças, deve-se ser sempre gentil, calmo e atencioso, porque o coração da criança é puro e frágil, e facilmente perturbado."

Referências Bibliográficas

  • Avern, R. (2018). Acupuncture for babies, children and teenagers: Treating both the illness and the child. Singing Dragon.

  • Flaws, B. (1996). Keeping your child healthy with Chinese medicine: A parent's guide to the care and prevention of common childhood diseases. Blue Poppy Press.

  • Sun Simiao. (séc. VII). Beiji Qianjin Yaofang (Prescrições essenciais para emergências valiosas a mil peças de ouro).

Cláudia Raimundo | Medicina Tradicional Chinesa 
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